terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Cuidado, vem aí teu inimigo oculto!

(Desabafos natalinos)
“Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel...”
Fim de ano é sempre uma festa! Parece que as agruras de um ano inteiro se dissipam, e de repente descobrimos que somos filhos de um mesmo pai e que ainda resta uma esperança para o mundo! De repente, o tal “espírito natalino” baixa em nós e deixamos de lado o “espírito de porco” que incorporamos por mais de 300 dias... “Feliz Natal e Próspero Ano Novo!” Mensagens se escancaram sem nada de subliminar, pois o que importa é a esperança. Até o último dia do ano, lutaremos para provar que no ano que vem tudo será diferente. Não importa que depois do Reveillon tudo volte ao normal...
“Esse ano quero paz no meu coração, quem quiser ter um amigo, que me dê a mão...”
As festas de fim de ano já começam pelas luzes na cidade. Os postes iluminados, as fachadas iluminadas, as árvores iluminadas. Fim de ano é a própria era do iluminismo! Tudo indica que, no final das contas, sempre há uma luz no fim do túnel (mesmo que a conta de luz fique mais cara). Não importa se seu time foi rebaixado no campeonato. Ano que vem ele será campeão da quinta divisão! Não importa se seu candidato não foi eleito. Os outros se incumbirão de cumprir as promessas que ficaram no meio do caminho. Não importa se seu salário não aumentou. Ano que vem ele aumenta ( o trabalho, também). Os antigos gregos já diziam: o que há de ser, será... Em meio a tantas esperanças, porque guardar rancor e escrever um artigo tão irônico?... Vamos, é Natal! É alegria! Pás, aos homens de boa vontade, para tirar esse entulho do nosso caminho!
“Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz...”
E como esquecer das confraternizações? Ontem, com os colegas de trabalho. Troca de presentes. Amigo oculto, inimigo invisível, presente secreto. “Meu amigo é...” Abraços, sorrisos, revelações. “Ó que cueca bonita, obrigado!”
Hoje é a confraternização do grupo de amigos. Churrasco, cerveja, amigo secreto, inimigo oculto, presente invisível. “Minha amiga é...” Beijinhos, olhares, frustrações. “Ó, esse era o lenço que faltava na minha coleção!”.
Amanhã, confraternização com a família. Irmã secreta, primo invisível, tia inimiga, avô oculto, presentes, presentes. “O meu amigo é...” Abraços efusivos no primo que eu detesto. A tia gorda, que não vejo há anos, depois de me dar aquele mesmo par de meias do ano passado, ainda sussurra em meu ouvido: “Quando vai casar, garotão?” Sorriso amarelo. A vontade é de mostrar a aliança no dedo e a foto dos seis filhos na carteira, mas engulo mais uma empadinha e deixo pra lá.
“Oi, lembra de mim?” Puxa, como não lembrar da prima Vera! Ela agora está um Verão.... Mas logo um “armário” se aproxima de mim. “Esse é meu marido”, diz ela candidamente. Sinto o ar fugir dos pulmões com o abraço do monstro. “Aê, primão!” Sobrevivo e engulo mais Cola, pois preciso unir as costelas espatifadas...
“Filho, adivinha o que comprei pra você?”. Faço de conta que não sei que é uma gravata cor de abóbora, igual a tantas que me deu nos últimos oito anos e digo, ternamente, ao vovô: “Um io-iô”! “Maiô?”, pergunta ele. “IO-IÔ!”, grito eu já quase perdendo a paciência com sua surdez. “Seu bobo, não é um maiô! Isso é coisa de mulher! Comprei foi uma gravata para o seu trabalho!”, revela o velhinho rindo com a dentadura saltitante. “Adorei, vô!”, digo falsamente. “NUNCA IMAGINEI QUE GANHARIA ISSO DO SENHOR”, ironizo gritando em seu ouvido. “Não meu neto, não foi no PENHOR, foi aquele empréstimo consignado mesmo!”. Desisto. Escapo do bom velhinho com a gravata na mão prestes a me enforcar...
“Noite feliz, noite feliz”...
Me deparo mais uma vez com a clássica cena da família em torno da mesa, cantando uma daquelas músicas de Natal que todas as lojas usam para vender cuecas, lenços, meias e gravatas para os amigos secretos, ocultos e invisíveis. Lembro que houve época em que me emocionava com tudo isso. Eu era criança e aguardava a noite de Natal com muita ansiedade. Só que o “bom velhinho” nunca me atendeu totalmente. Se pedia uma Ferrari miniatura com controle remoto, ganhava um fusquinha movido à corda. No lugar da motoneta elétrica, um patinete. O Playstation virou uma caixa de Divertirama com 20 jogos diferentes.
Agora vejo este quadro que lembra a Última Ceia onde todo mundo bebe e sorri. Não consigo decifrar o Código de Da Vinci e nem a frustração por presentes que não ganhei. Mas algo me engasga e tenho vontade de vomitar. Será que eu sou o único que não consegue se contagiar com a falsa alegria de todos os anos?
Seja no trabalho, no grupo de amigos, na família, todo mundo segue o mesmo ritual que contagia a civilização ocidental há séculos: reverenciar o nascimento de um menino chamado Jesus e principalmente, idolatrar um velho ridículo vestido de vermelho carregando um saco do tamanho do mundo!
É verdade que não existe personagem mais fascinante de nossa história que esse tal de Jesus, mas infelizmente, acho que continuamos colocando-o na mesma cruz todos os anos. Fágner já dizia nos seus tempos de universitário: “Uma vez por ano no Natal eles compram meus lindos cabelos e pensam que me conhecem, mas só me entristecem”... Nos iludimos que uma simples festa e a troca de presentes (muitos deles comprados nas promoções “dos pegue-pagues do mundo”, como diria o velho Raul Seixas) nos aproximem de um deus que muitos de nós acredita existir...
“Hoje é um novo dia, de um novo tempo(...)”
Depois do Natal, a contagem regressiva por um novo ano. Virão mais 365 dias assistindo aos mesmos noticiários sobre violência e corrupção. Continuarei não falando com o vizinho da casa ao lado. Prometerei perder 30 quilos, mas não deixarei de me empanturrar de carboidratos e outras guloseimas. Serei afável com os clientes da firma, que eu gostaria de pendurar num poste. Acreditarei que a prefeitura tapará o buraco da minha rua. E chegarei ao final do ano pronto para mais uma rodada de amigos secretos/ocultos/invisíveis com os mesmos presentes de sempre... Poderei suspirar: “Eu era infeliz, e como sabia...”
Apesar das amarguras, só me resta desejar a todos um Feliz Ano Velho!...
(P.S.: quem ainda quiser me dar um presente invisível/secreto/oculto, só falta uma cueca azul, um lenço amarelo e uma meia vermelha em minha coleção. A gravata pode ser cor de abóbora mesmo...)
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada hoje no Diário do Tapajós, edição regional do jornal Diário do Pará.

2 comentários:

Anônimo disse...

"O tal Jesus"! Jesus segundo a bíblia morreu pelo seus pecados, por todos nós, para nos livrar.
Cuidado com a expressão que colocas, independente se tu és religioso ou não.

Anônimo disse...

Jota, apesar de saber que nada ou quase nada mudará em relação há tantos problemas que assistimos e vemos diariamente, eu, particularmente não saberei viver sem essa esperança que dias melhores virão e sem me envolver com esse clima natalino e de um outro Ano Novo!Ah, Feliz Natal e Um Próspero Ano Novo pra vc e toda sua família(hehehe)!!!