sábado, 9 de julho de 2005

Adeus, senhor presidente

Artigo publicado no Diário do Tapajós (08/07), assinado pelo professor-doutor Anselmo Colares, sobre a crise do PT
Adeus, senhor presidente
Este é o título de um dos livros do chileno Carlos Matus, falecido recentemente e reconhecido como um dos maiores conhecedores de Planejamento, aliás, o criador do Planejamento Estratégico Situacional, ferramenta teórica para ser usada especialmente no gerenciamento dos governos. No livro em destaque, Matus narra o melancólico fim de mandato de um Presidente ainda no exercício do cargo, mas já esvaziado de poder, pois os holofotes estão voltados para o Presidente eleito. Sobra-lhe tempo então para fazer algumas coisas que há tempos não fazia: caminhar por entre o povo, conhecer o chão do local que governa. Começam as surpresas. Só então percebe que as ruas estão sujas, esburacadas, que há filas nos hospitais, e mendigos por toda parte. Nada disso ele viu antes porque, quando ia fazer uma visita a um determinado local, os seus assessores mais próximos cuidavam de preparar o ambiente antes que ele chegasse. As ruas eram consertadas, o lixo e os mendigos eram retirados e tudo ficava maravilhoso. O Presidente não conhecia a realidade que deveria governar. Vivia um mundo a parte.
Quando, em sua última semana de mandato, finalmente conseguiu enxergar à sua volta, já era tarde demais. Restou se lamentar, e exclamar a famosa frase: - onde foi que errei?
O autor do texto mostra então que o problema daquele Presidente não foi falta de planejamento, mas de acompanhamento daquilo que havia sido planejado. Faltou avaliar, faltou estar atento aos indicadores, enfim, faltou estar em sintonia com a realidade, enxergar além da falsa imagem que os bajuladores lhe faziam ver e crer.
Diante de tanta lama, de tantos escândalos em torno do Planalto Central, no âmago da República, vejo o relato de Matus caindo como uma luva nas mãos do nosso Presidente Lula. A diferença, até não se sabe onde, é que ele não está em sua última semana de governo. Portanto, ainda há tempo de aprender a lição e corrigir os rumos. Resta saber se há capacidade e habilidade para isto. Assim como o Presidente de Matus, Lula e seu partido – o PT – parece terem se encantado por demais com o poder. A expressiva vitória nas urnas os fez reféns de si próprios. Esqueceram até de alguns princípios elementares como, por exemplo, de fazer a distinção entre governar e ter poder, ou, de que a fonte de poder em uma democracia emana da sociedade. Disto decorre que, não adianta comprar parlamentares em nome de garantir a governabilidade.
É lamentável que justamente o PT, partido que conseguiu reunir em torno de si o maior contingente de intelectuais, esteja tão desorientado teoricamente. Estes dias chegaram a especular o nome de Delfim Neto para a reforma ministerial. Com todo respeito ao deputado federal por São Paulo, quem viveu ou pelo menos leu a história brasileira nos anos da ditadura militar sabe que Delfim Neto foi responsável pelo Milagre Brasileiro mas também contribuiu em seguida para que o país mergulhasse em uma profunda recessão, e para que o trabalhador tivesse perdas irrecuperáveis. É dele a expressão “vamos fazer o bolo crescer para depois repartir”. O bolo cresceu, às custas de enormes sacrifícios da maioria da população, mas apenas uns poucos participaram do banquete.
É por isso que incomoda ver a que ponto estamos. Falta governo. Falta bom senso. Falta inteligência. Falta capacidade
Caro presidente Lula, valorosos e valorosas integrantes do PT, voltem a por os pés no chão, permitam que o ar puro penetre em seus pulmões, e deixe que seus corações sejam tomados pelo vermelho da luta. Não permitam que a lama os afogue e que também leve junto as esperanças e a confiança de uma nação. Já sabemos que o PT não é tão honesto como sempre pregou, já sabemos que usam as mesmas práticas condenáveis que os outros. Mesmo assim ainda resta um fio de esperança. Reajam antes que nada mais reste. Presidente Lula, não seja como o personagem do livro de Matus. Acompanhe seu governo, não se limite a ouvir os relatos reluzentes dos bajuladores. Não é só de reforma ministerial que o Brasil precisa. Este país precisa ser respeitado.

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