quarta-feira, 7 de setembro de 2005

Sairé, a expectativa

Antecipo no blog, trechos da matéria que deve ser publicada amanhã no Diário do Pará, assinada por mim e pela jornalista Jeane Oliveira:

Sairé começa hoje em Alter do Chão
Santarém respira a partir de hoje, até terça-feira, 13/09, sua maior festa folclórica, o Sairé. Há uma grande expectativa sobre o evento este ano, por ser o primeiro organizado pela administração da prefeita Maria do Carmo, que reestruturou o projeto concebido há oito anos pelo ex-prefeito Lira Maia, seu adversário político.
A festa que havia sido revitalizada a partir de 1997 com a criação da disputa entre os grupos folclóricos representando os botos Tucuxi e Cor de Rosa, após muitos debates entre a Coordenadoria Municipal de Cultura (CMC) e os moradores da vila, definiu a separação dos dois eventos, já que no entendimento do advogado Beto Teixeira, coordenador da CMC “estava havendo uma descaracterização do rito tradicional do Sairé”. Outra mudança fundamental foi o retorno da grafia do Sairé com “S” e não com o polêmico “Ç”, que apesar do forte apelo de marketing dividia opiniões entre lingüistas e folcloristas. (...)
HISTÓRICO DA FESTA DO SAIRÉ

O Sairé é a mais antiga manifestação da cultura popular da Amazônia. A festa resiste há mais de 300 anos, mantendo intacto o seu simbolismo e a sua essência. A origem remonta ao período da colonização, quando os padres jesuítas, na missão evangelizadora pela bacia do rio Amazonas, envolviam música e dança na catequese dos índios (essa é a hipótese mais provável, já que, antes da catequização, os indígenas não conheciam a religião cristã, nem os textos bíblicos e nem o mistério da Santíssima Trindade).
Com as mudanças ocorridas ao longo desses 300 anos, o Sairé foi ganhando novos contornos. Atualmente, é festejado no mês de setembro e consiste em um ritual religioso que se repete durante o dia, culminando com a cerimônia da noite – ladainhas e rezas – seguida da parte profana da festa, representada pelos shows artísticos (com apresentações de danças típicas) e pelo confronto dos botos Tucuxi e Cor-de-Rosa. São cinco dias de muita música, dança e rituais resultantes do entrelaçamento social e cultural entre os colonizadores portugueses e índios da região do Tapajós.
A história dos 300 anos de Sairé é um tanto quanto acidentada. Sofreu uma paralisação de 30 anos (de 1943 a 1973), voltando a ser realizada por iniciativa de moradores da vila de Alter-do-Chão, numa tentativa de reviver a antiga tradição local. O belo e singelo folclore, até meados do século passado, tinha significação puramente religiosa, celebrando a Santíssima Trindade, com um semicírculo (o Sairé) de cipó torcido, envolvido por algodão e enfeitado com fitas e flores coloridas. O símbolo possui três cruzes dentro do semicírculo e outra na extremidade, representando as três pessoas da Santíssima Trindade e um só Deus – é uma criação indígena com base nos escudos portugueses. Em lugar da Cruz de Cristo que adornava os símbolos portugueses, o Sairé (certamente por inspiração de algum missionário católico) associou o mistério da Santíssima Trindade, utilizando a imagem da pomba que representa o Espírito Santo. Este estandarte segue à frente da procissão, conduzido por uma mulher, que recebe o nome de Saraipora. Há registros de que o Sairé era canto e dança de certos índios da Amazônia. Em Alter-do-Chão, o que se conhece por Sairé é o seu símbolo, cuja versão corrente representa “o respeito dos índios, usado para homenagear os portugueses quando esses aportaram em suas terras”.
Na Grande Enciclopédia da Amazônia, o historiador Carlos Roque diz que Sairé é um semicírculo de madeira, que contém o relato bíblico do dilúvio: o grande arco representa a arca de Noé; os espelhos, a luz do dia, os doces e as frutas, a abundância de alimentos existentes na arca; o algodão e o tamborim, a espuma e o ruído das ondas durante os 40 dias de dilúvio. Os três semicírculos simbolizam a Santíssima Trindade e as três cruzes o calvário, com Jesus Cristo Crucificado entre os ladrões.
O folclorista Luís da Câmara Cascudo, reproduzindo trechos da obra "Poranduba Amazonense" de Barbosa Rodrigues, diz que Sairé (também chamado de Turiua), é uma espécie de procissão de mulheres em que carregam o instrumento que tem o nome de Sairé.
Fruto da colonização portuguesa, o Sairé tornou-se ao longo dos anos um atrativo obrigatório para quem pretende descobrir os mistérios e encantos da cultura santarena.
Somente com o passar dos anos é que outros valores folclóricos foram acrescentados, incluindo aí as danças do curimbó, puxirum, lundu, desfeiteira e quadrilhas. As outras danças foram incluídas aos poucos, obedecendo à iniciativa de moradores de Alter-do-Chão, descendentes dos índios Borari. Na Festa do Sairé, é possível apreciar dezenas de manifestações folclóricas, especialmente dança e música, apresentadas pelos moradores, como: camelu, desfeiteira, lundu, valsa da ponta do lenço, marambiré, quadrilha, cruzador tupi, macucauá, cecuiara e muitas outras.
A festa do Sairé é uma manifestação que mistura elementos religiosos e profanos, começando com o hasteamento de dois mastros enfeitados, seguidos de ritual religioso e danças folclóricas desempenhadas pelos moradores da vila. No último dia, na segunda-feira, ocorrem a “varrição da festa”, a derrubada dos mastros, o marabaixo, a quebra-macaxeira e a “cecuiara” (almoço de confraternização). A programação termina à noite, com a festa dos barraqueiros.
Este ano, o Sairé acontece entre os dias 8 e 12 de setembro, envolvendo o tradicional ritual religioso, manifestações folclóricas variadas, shows artísticos (Margareth Menezes e Barão Vermelho) e apresentação dos Botos Tucuxi e Cor-de-Rosa no Lago dos Botos (antigo sairódromo), além de arraial e do banho no paradisíaco Lago Verde. A fauna amazônica é uma fonte inesgotável da cultura popular e inspirou os folguedos que abundam em toda a Região, como a lenda do boto (na terceira parte do ritual, por exemplo, ele é arpoado e morto pelo pescador porque emprenhou a cunhã-borari, filha da poderosa Principaleza, a senhora do Lago Verde. Mas logo é ressuscitado pelos pajés da tribo). (Fonte: PMS)


O RITUAL DOS BOTOS

Toda a trama e coreografia do folclore dos botos Tucuxi e Cor de Rosa gira em torno da sedução, morte e ressurreição destes personagens, entre lendas regionais, tribos indígenas, a Cunhantã-iborari, a Principaleza do Lago Verde, a Rainha do Sairé, o Tuxaua, o Pajé e os pescadores. O enredo tem ideologia ecológica, pois ressalta a natureza, em especial o Lago Verde, palco da trama. E quando o boto é morto por ordem do Tuxaua, pai da Cunhantã-iborari, que foi engravidada pelo golfinho amazônico, recai sobre ele a fúria dos maus espíritos da região. Por isso, a pedido do próprio Tuxaua, vem o Pajé e ressuscita o boto. É a apoteose do folclore.
Boto é um cetáceo que vive nas águas do rio Tapajós, também chamados pelos índios de Pirajaguara, ou peixe-onça. O boto tem como virtude ser amigo do homem, amparando náufragos e conduzindo o alimento à rede do pescador. Daí tornar-se, segundo a iconografia cristã, símbolo da Eucaristia.
A Amazônia é rica em lendas e tradições, mas nenhuma se compara à lenda do Boto. Caboclas e caboclos contam estórias e crenças sobre o irresistível sedutor amazônico. Quem ainda não ouviu falar da fama de conquistador que lhe é atribuída? Dizem que, nas festas, comparece sempre de chapéu à cabeça e procura seduzir mulheres jovens e bonitas.
O boto tem inspirado grupos folclóricos na criação de danças que retratam sua lenda. Em Alter-do-Chão, na Festa do Sairé (símbolo do respeito dos indígenas pelos portugueses colonizadores), é difícil dizer o que mais surpreende: se o próprio local e suas praias paradisíacas, chamadas de "Caribe da Amazônia", ou a festa nascida dos índios Borari, nos tempos do Brasil colônia. (Fonte: PMS)

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