sábado, 30 de setembro de 2006

O fator HP e as eleições 2008

Quase um mês depois da últimas postagem, insiro neste blog, um artigo sobre eleições, um dia antes dos santarenos irem às urnas, com uma reflexão sobre o impacto dos resultados das urnas na correlação das forças políticas locais:


Como a economia, a política em Santarém tem vivido de ciclos nos últimos 20 anos, desde a retomada da democracia com o voto popular, quando os prefeitos voltaram a ser eleitos diretamente nas urnas. A alternância no Poder Municipal tem se dado através do confronto de grupos que consolidam uma trajetória baseada em figuras políticas carismáticas, quase sempre com um viés centralizador com todos os “ismos” nos píncaros (assistencialismo, nepotismo, populismo...).
Nada diferente de outros municípios ou mesmo de capitais, mas aqui, a mesmice é obstinada e a frustração é quase certa. A esperança acaba ficando adiada para o próximo ciclo.
No final do período em que Santarém foi Área de Segurança Nacional (1969/1984), começava o primeiro ciclo político de alternâncias no poder municipal entre dois líderes com essas características: de um lado Ronan Liberal, do outro Ronaldo Campos. O primeiro vinculado ao Regime Militar, o segundo à oposição de centro (com apoio de setores da esquerda). Foi o que eu costumo chamar de “Fase Ron-Ron”, que começou com o antagonismo entre os dois políticos e culminou com a união de forças para sobreviver contra novos grupos que surgiam no final da década de 1980.
Atualmente vivemos um novo ciclo envolvendo as famílias Maia (Lira Maia e parceiros) e Martins (Maria do Carmo, Everaldo e Carlos Martins, não necessariamente nesta ordem), que eu chamo de “fase Ma-Ma” e que poderá ter sua continuidade ou seu fim, já na próxima eleição municipal. Enquanto Lira Maia é um político de viés conservador e populista aos extremos, Maria tem um perfil de centro esquerda, mas com atitudes de direita orquestradas pelo todo-poderoso Everaldo, o irmão-esteio desta vertente. Entre os dois ciclos, registre-se a existência de um “governo de transição”, comandado por Ruy Corrêa (1993/1996), cujo grupo se alterna no apoio às duas famílias que disputam o poder municipal.
Mas porque falar de eleição municipal, quando estamos às portas de uma eleição estadual e federal? É porque do ponto de vista da disputa municipal, o 1º round da próxima eleição se dá exatamente entre os candidatos que disputam, neste domingo, os votos dos santarenos e independente do sucesso em conquistar uma vaga nos Legislativos Estadual e Federal, aproveitam essa “vitrine” para mostrar as armas que têm.
Como todo ciclo tem começo, meio e fim, sempre surge algo de novo que pode balançar as estruturas existentes, podendo criar um alternativa administrativa e política ou gerar apenas um novo ciclo. Este parece ser o papel reservado ao advogado tributarista Helenilson Pontes, o tal “Fator HP” de que fala o título deste artigo.
Na atual conjuntura, as urnas devem revelar à quantas anda o humor da população em relação à prefeita eleita em 2004, na qual se depositava a esperança de que não fosse apenas um ciclo. É notório que houve uma grande frustração com o Governo Cidade da Gente e o reflexo imediato pode ser uma votação não tão avassaladora, como se esperava, do caçula da família.
Dono de um caminhão de votos como vereador, o médico Carlos Martins despontou como liderança emergente, mas até agora não mostrou para o que veio no papel de líder do Governo no Legislativo Mirim e de quebra, acabou entrando nesta disputa por uma vaga na Assembléia Legislativa – segundo se especulou nos bastidores políticos – praticamente forçado (da mesma forma como a irmã, desde o início de sua carreira em 1996), fruto de um desejo de concentrar mais poderes do grande articulador da família, Everaldo Filho. Carlos Martins pode até conseguir se eleger, mas ao que tudo indica com grande dificuldade, diante da performance do governo da irmã. Sua eleição carrega o simbolismo de uma sobrevida ao governo municipal petista (ou “everaldista”) e, principalmente, pode vir a ser a tábua de salvação dos Martins, caso Maria decida não concorrer à reeleição em 2008 (hipótese muito comentada diante das pressões do Ministério Público contra seus promotores a se decidirem pela carreira no MP ou pela vida política).
Do outro lado, Lira Maia, que vinha acompanhando de camarote o Governo de Maria ladeira abaixo, é um municipalista convicto em sua trajetória política por não ter um perfil de estadista que sonha sair dos grotões para se tornar um líder regional, só como estratégia de arregimentação de forças para o cenário municipal. Pelo menos por enquanto.
Cria do ex-prefeito Ronaldo Campos, Lira Maia disputou sua primeira eleição em 1992, substituindo Ronaldo cuja candidatura foi cassada, e em 15 dias de campanha mostrou fôlego para crescer, conseguindo ainda um terceiro lugar entre quatro candidatos. Picado pela mosca azul da política, o agrônomo que havia mostrado as mesmas habilidades em programas populares à frente das secretarias de agricultura municipal e estadual na década 1980, regou seu pomar de votos, passou pela Assembléia Legislativa na onda “Estado do Tapajós” de 1994 e se aboletou no Poder Municipal, de onde só saiu por confiar em sua capacidade de eleger até poste. Se para seu parceiro em oito anos de governo municipal, Alexandre Von, a derrota tenha sido péssima (pelo menos do ponto de vista de submergir como nova liderança), para Maia foi um bálsamo. Hoje ele se prepara para colher os frutos de uma administração petista que, se não está eivada de vícios de corrupção é no mínimo inoperante (ao contrário da administração Maia em que tais binômios, ao que parece, se invertiam). Maia, é fato, deve conseguir uma avalanche de votos. Segundo estimativas otimistas no comando de sua campanha, abalizadas por pesquisas, terá cerca de metade dos votos só de Santarém! Talvez não se eleja por estar numa coligação difícil, mas a suplência já será de bom tamanho para as suas pretensões.
O problema de Maia nesse mar de tranqüilidade foi exatamente o surgimento do “Fator HP”, na figura do tributarista santareno que fez sucesso em banca advocatícia no sul maravilha e voltou para “trazer a boa nova” à sua estirpe nordestina. A colônia nordestina que há muito anseia ocupar o palácio municipal (não tinha uma liderança tão carismática desde o ex-deputado Júlio Walfredo), tem se contentado em ocupar metade do Legislativo Municipal e apresentar candidaturas a vice-prefeito que naufragaram (Hiron Machado, em 1985, com Ronan Liberal e José Olivar em 1992, com Bené Bicudo) “adotou” Maia como seu representante nos dois mandatos entre 1997/2004. Mas sua estrutura organizativa que inclui uma espécie de clube de Auto-ajuda pronto para socorrer qualquer nordestino que chegue para ser microempresário e um clube esportivo cujo líder (Nélio Aguiar) pode até conseguir uma vaga na Assembléia Legislativa, demonstra que está mais que na hora de chegar ao poder (antes dos sojeiros lancem mão, num futuro próximo). Helenilson, com perdão do trocadilho, pode ser essa ponte.
HP parece ser um “Alexandre Von melhorado” (tem o mesmo discurso ético e tecnicista que o ex-vice-prefeito tinha quando entrou na política, embora demonstre mais firmeza de ação assumindo a frente de seu partido, o PPS, diferente de Alexandre que deixou o PDT ao bel-prazer de Osmando Figueiredo, o articulador-mor da política local), e entrou de cabeça na campanha por uma vaga na Câmara Federal, mas sabe-se que mira a prefeitura em 2008. Talvez não se eleja nesse pleito, mas o simples fato de, enquanto candidato neófito, conquistar uma boa quantidade de votos e uma suplência na Câmara Federal, credencia-se a tentar assumir o comando do Palácio Municipal.
Maia e Pontes usam o mesmo palanque, o de Almir, que se vitorioso, terá também que se decidir quem apoiar na próxima eleição municipal. Apesar da reaproximação de Almir e Maia nesta campanha, há que duvide que o ex-governador queira ter o ex-prefeito novamente como seu interlocutor em Santarém e repetir uma relação tumultuada que lhe custou a execração pública dos santarenos. A derrota de Almir em Santarém é previsível e Maia não arriscou o pescoço para tentar reverter essa situação (aliás nenhum dos outros candidatos de Almir na região, ousou ir contra a vontade popular de execrar o ex-governador). Santarém pode ser decisiva para empurrar a eleição para o segundo turno, e aí Almir vai precisar ainda mais de Maia e Pontes (eleitos ou não).
Aos Martins, por enquanto só resta se agarrar na esperança de um segundo turno, torcendo por uma candidatura petista ao Governo do Estado (Ana Júlia) que lhes foi imposta pelo PT nacional. Para se ter uma idéia dos desprestígio dos Martins, é quase certo que o deputado Priante, candidato de Jáder Barbalho, consiga mais votos contra Almir dos santarenos (no 1º e no 2º turnos) do que a família Martins.
Como se vê, não é cedo para falar das eleições 2008. Maia e Martins vão se encontrar frente à frente, mas o “Fator HP” que se antecipa, pode mudar esse quadro que indicava até agora uma simples alternância entre os dois grupos dentro do ciclo existente.
Enquanto isso, outras lideranças locais como Antonio Rocha (o mais certo para se eleger), Ruy Corrêa (que sonha com uma vaga puxado por Jader), Osmando (candidatura mais parecida com balão de ensaio) e outros menos votados, por enquanto aparecem apenas como coadjuvantes deste espetáculo e aguardam o momento certo para se definirem. E dependendo do cacife eleitoral que obtiverem.
Uma coisa é certa: nenhum destes políticos quer repetir parcerias que não deram certo. Neste caso, podem optar pelo duvidoso e não pelo certo.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Manual para eleitores incautos (IV)(*)

O (in)quociente eleitoral
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Uma coisa não muda em todas as eleições que vem sendo realizadas nos últimos anos: a campanha pelo voto consciente.
O problema, entretanto, não está apenas no “consciente” do eleitor, e sim no (in)quociente eleitoral, principalmente quando se trata da eleição para os chamados “cargos proporcionais” (vereadores, deputados estaduais e federais).
Os resultados para os “cargos majoritários” (prefeitos, governadores e Presidente da República) são mais compreensíveis para qualquer eleitor: ganha quem tem mais voto, apesar da novidade do voto em dois turnos introduzida a partir de 1989. Aí, a diferença é que um candidato tem que ter metade mais um dos votos para ser eleito, e caso não consiga, disputa um segundo turno com o segundo mais votado.
Mas o que dizer da não-eleição de um vereador, deputado estadual ou federal, apesar deste ter tido mais votos que outros candidatos?
Isso se deve exatamente ao princípio da proporcionalidade indicado no artigo 84 do Código Eleitoral Brasileiro, como forma de privilegiar a força dos partidos como células representativas da sociedade e não o indivíduo que concorre a um cargo. Do contrário, não se precisaria de partidos e bastaria que qualquer cidadão se inscreve individualmente e defendesse suas propostas no horário eleitoral. Já imaginaram a zorra que seria? Todo mundo querendo ser candidato, sem ter compromisso com grupo nenhum.
Mas aí vem a pergunta: e afinal, isso não acaba acontecendo na prática? O problema é que a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro e o aprimoramento da consciência cidadã ainda em sua fase latente, fazem com que o princípio da proporcionalidade não passe de um princípio... O pior é que o candidato eleito com poucos votos, muda de partido, mas não devolve os votos que seriam da legenda...
Antes de ampliarmos essa reflexão, vamos tentar explicar o tal do Quociente Eleitoral (e Partidário), que confunde a cabeça de muitos eleitores.
Quociente ou cociente (muitos chamam de coeficiente, mas não é o termo correto), é um termo da Matemática que vem do Latim quociens e indica a “quantidade resultante da divisão de uma quantidade por outra”. O Quociente Eleitoral determina-se “dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a meio ou arredondando-se para um, se superior” (Código Eleitoral, art. 106, caput). Já o Quociente Partidário determina-se para cada partido político ou coligação “dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração” (Código Eleitoral, art. 107).
Em resumo, o quociente partidário informa o número de candidatos proporcionais (vereadores, deputados federais ou estaduais) eleitos de cada partido ou coligação em conseqüência dos votos recebidos. Esses candidatos são eleitos por votação própria e são sempre a minoria. Os demais ‘pegam’ carona no somatório de votos recebidos pelo partido ou coligação e pela legenda.
O caso mais famoso aconteceu recentemente, nas eleições de 2002, quando, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta (PSL), recebeu 83.415 votos e não foi eleito. Já um tal de Vanderlei Assis de Souza, com míseros 274 votos, garantiu uma vaga porque seu partido, o Prona (Partido da Reedificação da Ordem Nacional), obteve uma votação maior que o partido de Pitta, concentrada em apenas um candidato, o famoso “meu nome é” Enéas Carneiro. Os votos de Enéas serviram para que seu partido elegesse 5 deputados, mesmo que a votação nos outros 4, como de fato ocorreu, tenha sido baixa. Já o partido de Pitta conseguiu 0,3 cadeiras, ou seja, nenhum deputado eleito!
Para explicar melhor, acompanhe os passos da lógica aritmética na apuração dos votos (conta que é complicada e que às vezes confunde até mesmo os mesários de apuração): Primeiro define-se o votos válidos, obtidos a partir da diminuição dos votos em branco e dos votos nulos do número total de votantes na eleição. Por exemplo, num estado, o número de eleitores que votaram é de 1.000. Deste, 50 votaram nulo e 100 votaram em branco. Os votos válidos serão 850.
Feito isso, define-se o quociente eleitoral através da divisão dos votos válidos pelo número de lugares a preencher (cadeiras). Por exemplo, nesse mesmo estado, existem 10 cadeiras na Assembléia Legislativa. O Quociente Eleitoral será 85.
Aí, o próximo passo é definir o Quociente Partidário, que é obtido, dividindo-se o total de votos recebidos por cada partido ou coligação pelo Quociente Eleitoral. Seguindo o exemplo dado, digamos que neste hipotético estado, 03 (três) partidos disputaram a eleição, sendo que o partido A teve 450 votos, o partido B teve 255 e o partido C apenas 145 votos. A divisão das cadeiras será assim: Partido A, cinco cadeiras (450/85), Partido B, três cadeiras (255/85) e o Partido C, uma cadeira (145/85).
Por fim, vem a definição das vagas que sobraram. Aí, o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação, será dividido pelo número de lugares obtidos por ele mais um. Sendo que caberá ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher. Seguindo o nosso exemplo, vamos ver quem fica com a última cadeira, que não foi preenchida: o Partido A teve 450 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (5), é igual a 90, somado a 1 = 91. Já o Partido B teve 255 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (3) é igual a 85, somado a 1 = 86. Por fim, o Partido C com seus 145 votos, que divididos pelas vagas obtidas na primeira soma (1) é igual a 145, somado a 1 = 146. Assim, coube ao Partido C a última vaga.
Imagine-se que no Partido A houvessem 6 candidatos. Os cinco primeiros garantiram a vaga. O 4º ficou aguardando o cálculo das sobras. Ele teve, por exemplo, 25 votos, e o Partido C, que tinha apenas dois candidatos, elegeu o seu primeiro candidato com 144 votos, enquanto o segundo, que teve apenas 1 voto, ficou com a última vaga, por causa do critério da proporcionalidade...
Apesar de valer como princípio, o critério da proporcionalidade torna-se injusto por causa da infidelidade partidária a que todos os partidos estão sujeitos. Para o consultor jurídico da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, Eugênio Vasques, o desrespeito à Lei Orgânica dos Partidos Políticos é flagrante e torna-se inadmissível tolerar que um político eleito mude de partido logo após a posse, como se tivesse sido eleito pelo partido que o acolheu. “Se tivesse disputado a eleição pelo partido atual, não teria sido eleito, portanto, sendo ilegítima a sua mudança de partido”, diz ele, afirmando que essa lei prevê expressamente a perda automática do cargo em virtude da proporção partidária, em seu capítulo V, que trata da Fidelidade e da Disciplina Partidárias.
“Mas, por que os partidos políticos lesados pelo parlamentar infiel, que procura outra legenda após a eleição, não se utilizam do disposto pelo Art. 26 do LOPP , para puni-lo?”, pergunta ele e responde: “no nosso país os partidos promovem um verdadeiro 'jogo de compadres' , já que aquele parlamentar que rompeu com determinado partido, pode a vir integrar o seleto grupo de uma outra legenda partidária e vice e versa”. Daí surgem as “legendas de aluguel”, que disputam a preferência dos infiéis.
Daí a importância de uma reforma eleitoral para que o tal “princípio da proporcionalidade” seja a expressão da verdadeira democracia, com o fortalecimento dos partidos políticos, pois do contrário, estes resultados ferirão não somente o bom senso político e a ética, como também a vontade do eleitor.
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(*)Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada todas as terças-feiras no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.