quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Em busca da “terapia do caos” (*)

Fazia algum tempo que eu não andava pelo centro da cidade num início de semana. Aproveitei, ontem, o ponto facultativo determinado pelo Tribunal de Justiça do Estado (do qual sou funcionário) à todas as comarcas do Pará, em razão do “Recírio de Nazaré” que tradicionalmente se realiza em Belém, e dei umas voltas a pé pela área central da cidade entre o velho Mercado Modelo e a praça São Sebastião.
Quase sempre quando ocorrem essas folgas inusitadas, aproveito para organizar processos em meu cartório ou arrumar minha casa. Na melhor das hipóteses, durmo até mais tarde e depois curto TV e Internet até voltar ao batente.
No cartório, minha rotina é viver arrumando pilhas de processos, relendo as histórias dos crimes e capitulação penal. Tento botar em ordem centenas de pastas de documentos, carimbos e relatórios. Da mesma forma, nos computadores (do trabalho e de casa) organizo milhares de textos, imagens, músicas e vídeos em pastas padronizadas. Em casa, na medida do possível, arrumo o que há muito está armazenado em caixas de minha “papeloteca” (um quarto com quinquilharias, livros, jornais, revistas e textos diversos, inclusive artigos e poesias que escrevi e que acumulo desde a adolescência!).
Apesar de detestar a burocracia – que é parte do meu cotidiano num cartório criminal – adoro colecionar papéis em suas mais variadas formas, de folderes publicitários à coleção de santinhos de candidatos (!), de jornais carcomidos pelo tempo a fotos desbotadas pela umidade. Minha mulher vive ameaçando tocar fogo em tudo, mas sabe que eu queimaria junto e acaba desistindo...
Esse cotidiano ainda não é perfeitamente arrumado, mas segue um padrão mínimo de organização. Só que a busca do perfeccionismo metódico deixa seqüelas na minha cabeça e de repente começo a me sentir um tanto “robótico”. As idéias fluem e vou tentando armazená-las na cabeça como se abrisse pastas e arquivos. As lembranças de fatos de um passado distante ou recente são acondicionados em uma memória virtual de neurônios, à espera de transformarem-se em textos que “imprimo” com primeira caneta que encontrar numa folha qualquer, isso quando não tenho um computador à minha frente.
Mas ontem resolvi sair em busca do que eu chamo de “terapia do caos”, ou seja, ver de perto a bagunça que impera no centro da cidade e respirar um pouco da confusão para contrabalançar o equilíbrio e a serenidade que tenho buscado freneticamente. Uma espécie de relax às avessas.
Fazer esse perípatos pelo nosso centro ainda não chega a ser perigoso como andar na área central de Belém, mais caótica que a nossa. Mesmo assim, em pouco mais de três horas tenho que driblar o trânsito na Rui Barbosa onde os ônibus e os moto-táxis disputam o mesmo espaço com pedestres; atravessar os corredores de redes estendidas e bolsas falsificadas do que um dia se chamou “Complexo Arquitetônico da Conceição”, que abrange as praças Monsenhor José Gregório (Matriz), da Bandeira (sem bandeira), do Relógio (sem relógio) e Bettendorf (ou será Paulo Rodrigues?), tudo isso transformado num verdadeiro camelódromo onde se compra de bijuteria (despu)dourada a aparelhos de DVD “made in Taiwan”; me acotovelar com pessoas apressadas, ser abordado por hippies e seus ornamentos ou enfrentar filas de uma lotérica onde todo mundo acalenta o mesmo sonho: ficar milionário e comprar uma ilha só pra si; ou ainda, massacrar os ouvidos com a propaganda volante ensurdecedora, que vende de tecidos a candidatos ao Governo ou conviver com a barulheira das caixas de som de igrejas evangélicas que disputam fiéis na Rui Barbosa (o Cineramma sucumbiu e acabou virando um templo!) ou os vendedores da Lameira Bittencourt, nossa rua central do comércio equivalente à João Alfredo da capital, que tentam nos arrastar aos berros para dentro de suas lojas.
É aí que me deparo com outra visão caótica, mas que tem um objetivo diferente: a rua central do comércio está tomada de tapumes e homens trabalhando freneticamente com marretas para quebrar o piso. É a obra municipal, menina dos olhos da prefeitura e dos comerciantes, que é tocada com vigor em meio a uma campanha política e às vésperas das festas de fim-de ano. Já vi a maquete do projeto chamado pela atual administração de Belocentro e se tudo for feito como está previsto, pode ser o começo do fim do caos. Perco minha “terapia”, mas ganho uma cidade mais decente.
O projeto é uma obra simples que qualquer administrador sério já deveria ter realizado. Mas, antes tarde do que nunca. Só que é preciso que se ressalte que não basta embelezar a rua principal do comércio, que do jeito que está lembra mais os corredores do mercado de Istambul (Turquia) em que já andei há 15 anos, onde comprar é quase um suplício. É preciso que o Belocentro se estenda até à Rui Barbosa, que se continuar do jeito que está pode vir a ser um clone da avenida Presidente Vargas, de Belém, um gargalo de gente e ferro fundido que mais parece a visão do inferno de Dante!
E não serão somente obras como a do Belocentro que poderão diminuir a sensação de caos que se vive em nossa área central. É preciso que seja implementada uma política de segurança constante, com um pouco de disciplina controlada pelos agentes de trânsito e da tão sonhada Guarda Municipal que até hoje não saiu do papel para organizar nossos logradouros públicos. Quem sabe após o conturbado Plano Diretor, possa-se vislumbrar tais mudanças.
Uma cidade como Santarém, que pretende ser capital, deveria começar mostrando que sua área central pode ser menos caótica e mais humana. Enquanto isso não acontece, vou de vez em quando por lá, nos próximos pontos facultativos, fazer minha “terapia do caos”. Mas, sinceramente, preferiria não ter essa opção...
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(*) Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada em 24.10.2006, no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará.

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