sexta-feira, 31 de março de 2006

Dossiê PT – estórias que não gostaria de contar

Já se vão três meses da publicação do último capítulo da saga que me propus contar aqui neste blog, sobre a trajetória do Partido dos Trabalhadores em Santarém. Retorno neste dia em que o blog completa seu primeiro ano em atividade (ainda que sem atualização diária como era minha vontade), contando como aconteceu o primeiro “racha” da famosa “Corrente”, ala majoritária que comandou o partido durante muitos anos e tornou-se referencial de luta e organização no norte do Brasil.
Capítulo V – O primeiro “racha” da Corrente (parte I)

Antes de falar desse “racha”, é interessante lembrar os bastidores da eleição para o Diretório Municipal que “expurgou” a facção dos Sena e Feitosas do poder petista local. Como disse no primeiro capítulo, a Corrente perdeu a primeira eleição para o Diretório Municipal em 1981 e, sem a maioria, perdia todas as votações para o grupo comandado pelo padre Edilberto na direção do partido.
Por esse motivo, a Corrente utilizou de toda a estrutura de sua militância e saiu fundando núcleos de base em todos os bairros da cidade e comunidades do interior. Depois criou o famoso “internúcleos”, que funcionava na verdade como um “Diretório Paralelo” onde se discutia toda a estratégia para retomar a direção do partido com o único propósito de “botar o PT na mão dos trabalhadores e tirar da mão dos pelegos”.
Esse era o clima que reinava nos bastidores. Mas apesar desse poderio, a Corrente não queria correr o risco de perder a votação por qualquer detalhe de última hora. Foi quando encontrou uma solução para acompanhar os passos de nossos adversários: foi convocado um companheiro recém-chegado à Santarém para atuar como “espião infiltrado” da Corrente junto ao grupo liderado pelo padre Edilberto Sena!
O então ex-seminarista Dornélio Silva, hoje consultor de marketing em Belém, retornava à Santarém já casado com uma santarena que conheceu na capital, a hoje socióloga Socorro Brasil (atualmente em Belém, trabalhando também na área de consultoria de marketing com seu ex-marido), com o objetivo de recomeçar sua vida por aqui. Ele tinha um projeto de criação de pintos, já que sua família ainda morava em um terreno na vila de Cucurunã (onde ele nasceu), mas o investimento não deu certo. Filiado ao PT em Belém, ele acabou indo trabalhar na antiga Catequese Rural (hoje, CPT – Comissão Pastoral da Terra) ao lado das conhecidas “cajazeiras”, como eram carinhosamente chamadas Izabel Miranda (atualmente casada com Ranulfo Peloso vivendo em São Paulo e chegou a ser candidata a vice-prefeita de Geraldo Pastana, em 1985), Jandira Pedroso (irmã do empresário Jair Pedroso e que até hoje trabalha no Setor de Pastoral da Diocese) e Maria de Lourdes, a Lurdinha (atualmente é professora e, se não me engano, assessora da Semed). As três trabalhavam com o frei Rainério, religioso que atuou na Transamazônica e “descobriu” os Ganzer).
Por sua amizade com José Maria Piteira (ex-seminarista como ele e atualmente jornalista e assessor de imprensa vinculado ao PSDB em Monte Alegre), que vinha a ser irmão do então secretário-geral do PT, Dinaldo Pedroso (conhecido como “Nal” e que atualmente é meu cunhado, assim como Piteira, morando em Aveiro), Dornélio se dispôs a se aproximar de “Nal” e demonstrar que não tinha nenhuma vinculação com a “Corrente”, participando de reuniões e demonstrando-se solícito para qualquer atividade como forma de mapear o território do inimigo.
Setembro de 1983. Ginásio do antigo Centro Social Urbano (hoje UEPA). As duas facções repetiam o mesmo confronto de dois anos atrás pela direção municipal do partido. Só que desta vez não deu outra: a Corrente elegeu Valdir Ganzer (hoje deputado estadual) como presidente e fêz a grande festa. As informações do “espião” Dornélio haviam sido importantes para a conquista.
A derrota do grupo opositor revelou também o clima de discórdia que imperava em suas hostes. A sina de Edilberto de ser traído por suas crias começava ali. Nal e Mário entraram em choque com o nosso eterno “padre comunista”, como as elites sempre chamaram o irrequieto Edilberto e seguiram outros caminhos. Enquanto Mário foi para o PMDB (seguindo seu então líder regional petista, Durbiratan Barbosa, o “Bira”, primeiro presidente regional do PT, hoje deputado estadual do PSDB), Nal continuou no partido, mas igual “cachorro sem dono”.
Disciplina stalinista - Aqui abro um parentesis para me localizar neste período e mostrar como a disciplina da Corrente era rígida.
Naquele ano eu estava com 20 anos e era um dos mais novos e empolgados membros da Corrente. Atuava em várias frentes, entre elas a poderosa Comissão de Formação Política, formada ainda por Ranulfo Peloso, Izabel Miranda e Valdir Ganzer, que disseminava a ideologia petista nos núcleos de base. Além disso, como todo petista da época, acumulava outras atividades como sindicalista (tinha acabado de retornar de São Bernardo-SP, onde participei da fundação da CUT – Central Única dos Trabalhadores, braço sindical do PT, representando o então reativado Sindicato dos Comerciários), líder da Juventude Petista (grupo que organizava os jovens militantes do PT), coordenador do núcleo do PT no bairro de Santana onde residia na época, membro do Comitê Avelino Ribeiro, entidade criada para resgatar a memória do primeiro sindicalista rural morto nesta região por causa de um conflito de terra (em breve conto um pouco desta história) e membro do MOP – Movimento de Organização Popular, idealizado por Pedro Peloso para fomentar a criação de associações de moradores nos bairros de periferia.
A Corrente havia recebido naquele ano a incumbência do Diretório Regional (o PT nacional já havia intervido no Diretório Regional e Bira Barbosa e seu grupo havia debandado para o PMDB) para reorganizar todos os diretórios da região, criados pelo pessoal do Mário Feitosa. Fui designado junto com outra militante da Transamazônica para acompanhar a convenção municipal em Almeirim e articular a chapa de oposição ao grupo ligado a Mário, e se possível sair de lá com a ata da convenção em mãos.
O problema é que ao viajarmos encontramos no mesmo barco meu futuro cunhado, Nal, com os ditos documentos em sua bolsa. Me aproximei dele e mantive uma relação cordial arquitetando um futuro bote. Lá chegando, Nal que conhecia todo mundo saiu visitando os filiados do PT e eu me ofereci para acompanhá-lo na tentativa de me infiltrar em suas bases. Em minha ingenuidade, acreditei que Nal havia engolido a farsa, já que ele conversava comigo como se não houvesse qualquer animosidade e me levava a todas as casas. Aceitei até sair à noite para tomar uns tragos (imagina eu que não sou de beber). Acabei sendo embriagado e dormi na casa de uma família amiga de Nal. No dia seguinte, de cabeça tonta, percebi que tinha sido enrolado, pois logo se espalhou que eu tinha ficado porre! (Nal, acostumado a beber, devia estar rindo da minha cara...).
Mas na convenção do PT acabou havendo consenso entre os dois grupos e foi votada uma chapa única, só que ao terminar o encontro, Nal voltou a se apossar da ata e a carregou em sua bolsa. Voltamos juntos e eu querendo me vingar, botei na cabeça que roubaria a ata, a qualquer custo daquela bolsa. A companheira que me acompanhava, uma senhora que não me lembro o nome e que era lavradora da Transamazônica, tentava me impedir de cometer outro desatino, mas eu não sossegava. Quando chegamos ao cais de arrimo, ele me deu a bolsa para levar enquanto buscava outra bagagem. Era a chance que eu esperava: tirei os documentos, botei na minha bolsa e fiz de conta que não tinha feito nada. No cais, em frente ao Mercado Modelo, Nal logo abriu sua bolsa e viu que eu havia furtado a bolsa. Passamos a discutir e ele arrancou a minha bolsa para tirar a ata e protagonizamos uma cena patética: dois galalaus disputando uma ata no cais! Ele levou a melhor e por pouco ganhei um catiripapo...
Por conta disso recebi uma reprimenda pública durante uma reunião do Diretório Ampliado (ver o próximo parágrafo) e acabei, logo depois, “designado” para implantar um núcleo do MOP no bairro da Matinha, além de reforçar o núcleo petista que funcionava lá e que estava desativado. Isso implicava em morar na Matinha (numa casa onde hoje ficam os limites com a Nova República, por trás do Motel Delíriu´s), o que na verdade era quase que um “castigo” por eu ter infringido normas básicas de minha conduta petista naquela tarefa.
O julgamento - Passado o clima de festa, os militantes petistas arregaçam as mangas para reorganizar o PT em Santarém dentro da filosofia stalinista da CSLU – Corrente Sindical Lavradores Unidos, capitaneada pela FASE, ONG então comandada em Santarém pelo consultor Antonio Vieira (leia mais detalhes no primeiro capítulo). A estrutura do Internúcleos foi encaixada no Diretório Municipal, que passou a ser chamado de “Diretório Ampliado”, já que além dos 21 membros eleitos tinha um conselho de 50 lideranças que atuavam em diversas comissões de trabalho dando seqüência ao ritmo que imperava no Internúcleos.
Os primeiros dias pós-eleição foram de adaptação da máquina partidária. A Executiva do partido reuniu-se e decidiu as prioridades. Uma delas era estabelecer que o novo secretário-geral deveria se dedicar exclusivamente ao PT e seria remunerado (era o que se chamava no movimento de “militante liberado”, ou seja, aquele que era pago pelas entidades para trabalhar por elas, mas sem vínculo empregatício. Podia ser um dirigente ou não). Ali começou o “racha” da Corrente.
Eleito secretário-geral do PT, o professor Gilmar Pereira (hoje atuando no ensino modular) não gostou da determinação. Na época, ele havia acabado de passar no vestibular da primeira turma regular de pedagogia da UFPa. e era professor contratado do Estado na escola São Felipe na Matinha (esqueci de dizer que Gilmar morava comigo e com Orlando Gamboa, hoje assessor da Semed para o interior). Pedro Peloso, que tinha grande influência nas decisões majoritárias do grupo insistia que ele devia abandonar a Escola e a Universidade para se dedicar ao partido! Era o embate entre um líder pragmático que sempre questionou a academia (até hoje Pedro, apesar de ser um autodidata, nunca tentou sentar num banco de universidade) e um ex-seminarista e intelectual em formação (Gilmar acumula hoje pelo menos três cursos de graduação e especializações).
A Executiva aprovou a proposta de Pedro. Gilmar, resignado, acatou e não renovou seu contrato com a escola. Naqueles dias, eu e Orlando fomos testemunhas do acabrunhamento de Gilmar, que vivia o dilema de ter que abandonar a universidade em nome de uma causa.
Enquanto isso, eu me esforçava para organizar o MOP na Matinha, usando sempre a mesma técnica dos primórdios de nossa organização: o teatro engajado (leia mais no capítulo Capítulo III – A “pré-história” do PT em Santarém/parte 2). Gilmar tentou me fazer ver que os métodos que eu usava eram maniqueístas. Achei que ele estava interferindo em algo que eu havia aprendido a fazer e que naquele momento não podia entender que houvesse outras formas de organizar aquele povo. Fiquei com a pulga atrás da orelha, mas guardei as observações comigo.
Dias depois, numa nova reunião da Executiva houve o confronto: Gilmar resolveu questionar a decisão da Executiva e afirmou que podia até largar a escola, mas não queria abrir mão de seu curso. Argumentou que era importante que houvesse militantes capacitados nas universidades. Mas Pedro considerou tal posicionamento como inaceitável. Os dois se alteraram e no final, Gilmar bateu o pé: não largaria seu curso. Pedro ameaçou de levar o caso ao Diretório Ampliado. Gilmar disse que tudo bem. Estava iniciada a guerra.
O Diretório Ampliado reunia-se periodicamente, se não me engano, de três em três meses. Em abril de 1984 aconteceria a segunda grande reunião e a pauta previa o “julgamento de conduta do companheiro Gilmar”. Logicamente que ninguém sabia de nada antecipadamente. A briga entre Pedro e Gilmar na Executiva havia acontecido um mês antes (se não me falha a memória). No dia do encontro, que sempre se realizava numa chácara em São Braz (onde hoje funciona o Centro de Formação Chico Roque), Pedro abriu o encontro e apresentou o problema ocorrido na Executiva. Explicou com detalhes a posição de Gilmar. Este apresentou sua defesa. Houve uma “votação” e a plenária (por unanimidade) aprovou a decisão da Executiva. Mas Gilmar anunciou que não acataria a decisão. O clima ficou tenso. Houve posicionamentos inflamados sobre “a responsabilidade pela causa” e a “traição aos princípios da luta”. Reforçou-se a tese stalinista do “centralismo democrático” pela qual “um militante tem que acatar o que é decidido pela maioria, sob pena de sofrer punições”. Estavam criadas as condições para o julgamento sumário do companheiro Gilmar.
No intervalo para o almoço, Gilmar, abatido, nos chamou (eu e Orlando) num canto e tomou uma atitude honrada que nunca esquecemos. Ele disse: “não quero que sofram o que estou sofrendo, por isso recomendo que quando forem votar, votem com a maioria. Não ficarei zangado com vocês”. Havia um clima de que seria decidida a primeira expulsão de um companheiro do PT. Confesso que apesar de comovido com o que disse Gilmar, não podia conceber que Pedro estivesse errado e Gilmar não. Orlando parecia atordoado.
Quando abriu-se a votação, a Comissão Executiva do Diretório Ampliado apresentou a acusação e qual seria a punição: Gilmar deveria renunciar ao cargo, mas ficaria sob vigilância de uma comissão de companheiros e seria designado um bairro ou comunidade onde ele deveria morar por um ano com tarefas pré-definidas como forma de contribuir com sua recondução ao caminho certo, caso contrário deveria ser expulso do partido. A proclamação da “sentença” caiu como uma bomba. Nem Gilmar acreditava que Pedro e os outros seriam capazes de tal crueldade! Colocada em votação, a proposta foi aprovada por unanimidade! (confesso, votei nessa ignomínia!!!)
Gilmar foi chamado para se pronunciar e, chorando, disse que aceitar aquilo era humilhante. Anunciou que entregaria o cargo e garantia que se afastaria da estrutura partidária, sem se desfiliar, mas não aceitaria que ninguém comandasse sua vida. Desejava sorte aos companheiros e prometia que não trairia os ideais do PT. Foi um soco no estômago de todos. A gente via no semblante da maioria dos companheiros um quê de arrependimento. Eu e Orlando estávamos atônitos. Gilmar recolheu sua “boroca” e saiu. O clima era tenso. O PT não seria mais o mesmo, para todos nós. O “racha” estava apenas começando...
O resto deste triste episódio conto na segunda parte deste capítulo (espero que em breve...)
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Blog de Níver

Há um ano atrás, nesta data em que se rememora também a negra data do golpe militar de 1964, este blog entrou no ar com a intenção de informar e opinar sobre os mais diversos temas, entre eles política, cultura e notícias que rolam na internet.
O primeiro post era um extenso currículo deste blogger (coisa típica de jornalista narcisista). Aos trancos e barrancos venho mantendo o blog, sem entretanto fazer uma atualização diária como gostaria.
Em comemoração à esta data, postarei logo mais um novo capítulo de meu famoso "Dossiê PT - estórias que gostaria de não contar".
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Ontem à noite participei do lançamento do novo formato do Diário do Tapajós, com a presença do presidente do grupo Diário do Pará, Jader Barbalho Filho.
O jornal circula hoje no formato standard e não mais no de tablóide, numa iniciativa da empresa Pódium capitaneada pelo jornalista José Ibanês, que comanda hoje a sucursal regional do Diário do Pará em Santarém.
Minha coluna Perípatos ganhou mais destaque, agora ao lado da coluna social de Denise Marsala.
Reproduzo aqui o texto desta nova fase do jornal:

Tamanho é documento!
Hoje esta coluna estará sendo lida no formato conhecido como standard, o que me faz afirmar que estou mais “espaçoso”...
Isso me remete a outros tempos de meus mais de 20 anos em redações locais. A tradição dos jornais impressos na Amazônia em optar por esse formato, foi seguido à risca na formação das primeiras experiências de sucursais regionais implantadas aqui, já na década de 1980: A Província do Pará, através do antigo Jornal de Santarém (do saudoso Arthur Martins, o primeiro a acreditar em meu potencial jornalístico) e o próprio Diário do Pará quando de sua primeira tentativa de implantar uma sucursal (com o também saudoso Mário Ennes, em 1985, com quem também trabalhei).
A bitola de impressão em formato standard sempre implicou na opção por um maquinário de impressão off-set e, geralmente, na utilização de um parque gráfico com as chamadas “rotativas” que imprimem em escala industrial e já entregam o produto final encadernado e pronto para distribuição, produtos de alto custo para os padrões de cidades do interior da Amazônia como Santarém. Nos dois casos citados acima, as despesas corriam por conta da matriz.
Por conta disso, a maioria das publicações jornalísticas locais, com raras exceções, ainda hoje utilizam o formato tablóide ou outros ainda menores, dando sempre margem a um complexo de inferioridade de quem trabalha nos semanários que utilizam esse tipo de bitola.
Eu, particularmente, nunca senti esse complexo com formato e trabalhei do mesmo jeito nas mais diversas bitolas, principalmente por saber que em outras regiões como o sul do Brasil, o que importa é o conteúdo da informação e não o formato (e nem é preciso ir muito longe, quando temos aqui o Jornal Pessoal, de Lúcio Flávio Pinto, que é pequeno mas incomoda). Lá, os principais jornais, até pelo menos algum tempo atrás (faz tempo que não recebo em mãos nenhum exemplar atualizado de jornais como o Diário de Santa Catarina e outros do mesmo nível que sempre gostei de ler), utilizavam o formato tablóide muito embora seguissem os mesmos padrões de produção em escala industrial e com a utilização do maquinário já citado.
A primeira experiência de um jornal com esse mesmo formato e com produção local e custos bancados aqui mesmo, foi efetivada n´O Tapajós (1986/1994) ao comando de Vânia Maia e do mestre Manuel Dutra que formaram uma das melhores equipes de jornalismo da época com Dornélio Silva, José Ibanês, Bena Santana, Jota Parente, os irmãos Carneiro (Jeso e Celivaldo) e este humilde escriba, entre outros. De lá para cá surgiram outras experiências locais, algumas bem sucedidas outras não, como a do jornal Estado do Tapajós (primeira versão), que tinha uma produção mista (metade feita aqui e metade em Belém), mas acabou fechando por outras motivações.
Hoje, o Diário do Tapajós entra nesta nova era e passa a ter o mesmo formato de sua matriz, concretizada agora pelo esforço conjunto da editora Albanira Coelho e do diretor da sucursal, José Ibanês, que resolveram ousar e enfrentar os riscos que o custo de tal investimento possa ter.
A proposta já era discutida desde a implantação da sucursal, da qual também participei chefiando a redação. Na época, falava-se num lançamento gradual e à medida que a experiência fosse se consolidando, avançaria-se para outra etapa do projeto, até se chegar á condição de um jornal realmente diário local, como nenhum um outro ainda o é. Já houve experiências de jornais bi-semanais (O Tapajós e este Diário do Tapajós) e até tri-semanais (Gazeta de Santarém), sendo que a mais próxima de um diário ainda é a do jornal O Estado do Tapajós (segunda versão) publicado de terça à sábado.
A nova empreitada, que tem apoio da matriz mas com a possibilidade de ganhar a autonomia financeira no decorrer da experiência, ilustra a visão empresarial da direção do Diário do Pará, que continua apostando nesta proposta de tornar-se um diário identificado com os problemas da região.
Parabéns à equipe pelo novo espaço. Agora, vem mais trabalho pela frente!

quarta-feira, 29 de março de 2006

Língua viva

O sempre perspicaz publicitário e blogueiro Juvêncio Arruda (www.quintaemenda.blogspot.com), um dos poucos leitores deste desatualizado blog, comenta poeticamente meu artigo inserido ontem aqui neste espaço:
Língua viva.
Viva cultura.
Cultura língua.
Lingua liberta.
Liberta cultura
Viva libertae
Tempo língua
Cultura tempo
Vive língua.
Muda.

terça-feira, 28 de março de 2006

Do you speak Português? (*)

Uma pessoa normal de grandes ou médios centros urbanos - como Santarém pretende ser – pode instalar-se confortavelmente em frente a um home theater em sua casa, pedir uma pizza delivery e assistir ao Big Brother. Ou ainda, vestir uma roupa baby look, baladear na Fun House ou no Escalper. Pode também pegar seu filho, que estuda no baby class de uma grande escola, para passear no shopping center (quando houver) e, depois de fazer compras aproveitando o off shore, saborear um milke shake no primeiro fast food. Mas se for uma pessoa mais culta, pode até participar de um workshop, em cujo intervalo saboreará certamente um coffee break, e depois retornará aos debates sobre um interessante tema: “A importância da língua portuguesa nos dias de hoje”.
Seria cômico se não fosse trágico, mas a cultura yankee se apossou do nosso dia-a-dia de tal forma que uma simples narrativa do cotidiano de um cidadão comum, como a que fiz acima, necessite de uma tecla SAP para o melhor entendimento do texto.
Num mundo marcado pela ideologia consumista, é quase impossível não aderir aos modismos da linguagem hi-tech com predominância do inglês, língua-mater de quem manda no mundo. Para isso contribuem também, programas de televisão que alimentam a cultura pop para a geração MTV ou os chats, flogs, blogs e outros “spaces” que permeiam nossa era digital, nos cybercafés de cada esquina. Hoje é mais fácil um adolescente saber de cor a música de grupos como Linkin Park ou System of a Down do que cantarolar (nem que seja uma estrofe incompleta) o Hino Nacional. Longe de mim fazer uma crítica ufanista e retrógrada, recheada de nacionalismo patriótico de caserna. Mas acho que se houvesse uma política educacional mais definida em nosso país, os exageros poderiam ser contidos.
O debate sobre os estrangeirismos da língua tem sido a tônica em algumas aulas do curso de jornalismo que freqüento e sempre se chega a uma triste constatação: como frear o avanço dessa invasão, se é que isso seja possível? Renomados lingüistas afirmam que a “língua vive em constante evolução” e que nesse processo pode sofrer as mais diversas influências, absorvendo ou não alguns dos termos que logo se tornarão abrasileirados. Não pode haver maior exemplo do que o nosso futebol, que já foi o foot ball dos ingleses e que aos poucos ganhou a ginga nacional.
Para se defender essa tese, usa-se até mesmo do exemplo dos estrangeirismos franceses, que tomaram conta do país no início do século XX, já que era très chic se expressar nessa língua, de tal forma que acabamos importando garçons, garçonières, bombonières, abajures e todo o glamour dessa língua prima do português, da família latina. O mesmo não se pode dizer da língua espanhola, o primo pobre, predominante na América Latina da qual também fazemos parte. Preferimos atravessar as fronteiras do México e cair nos braços do Tio Sam.
Falando nos franceses, eles nos dão uma luz de como iniciar um processo para evitar essa invasão, ao criarem leis que impedem tal aviltamento de sua língua.
Por aqui, um deputado chegou a apresentar um projeto no Congresso Nacional neste sentido, mas tem sido bombardeado por todos os lados. Não conheço a proposta, mas sou simpático a qualquer idéia que pelo menos coloque o tema em debate, muito embora não se possa imaginar que seja possível estancar abruptamente esse processo.
Tudo depende da educação que se possa ter, principalmente na escola, começando pelo velho jardim de infância. Depois de se fechar o tal “baby class”, onde tudo pode começar...
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(*)Artigo inserido em minha coluna Perípatos, publicada em 24.03.2006, no Diário do Tapajós, edição regional do Diário do Pará

sábado, 11 de março de 2006

Júri condena acusados de assassinar soldado em Alenquer

A 1ª sessão do Tribunal do Júri de Santarém de 2006, sob a presidência do juiz Leonel Figueiredo Cavalcanti, que responde pela 6ª Vara Penal, terminou às 23h00 desta sexta-feira (10/03) e condenou os dois acusados da morte do soldado da Polícia Militar João Boaventura Farias de Siqueira, em Alenquer, há cerca de nove anos. Clausius Pinto Dias, conhecido por “Calcinha” foi condenado a 17 anos de reclusão e Edelvani Pinto Rodrigues a 22 anos.
O Ministério Público defendeu a tese de Homicídio Qualificado (art. 121, §2º, I e II c/c art. 29 do CPB) para os dois réus, enquanto a defesa apresentou quatro teses que foram derrotadas: negativa de autoria, insuficiência de provas, crime cometido sob violenta emoção e menor participação no delito.
Os dois réus não foram presos imediatamente em virtude de recurso impetrado pelo advogado Raimundo Renato Carvalho Maués em relação ao primeiro condenado e Apelação por novo júri para o segundo, podendo os dois aguardarem a decisão em liberdade, como já havia ocorrido com o terceiro réu do mesmo processo, Paulo Rangel da Silva Pinto, conhecido como “Paulo da Cosanpa”, que foi julgado e condenado em novembro do ano passado a 20 anos de cadeia.
O novo júri de Edelvani e Paulo ainda será definido pelo juiz do feito, enquanto que em relação a Clausius, o recurso deverá ser encaminhado à segunda instância.
Testemunha – A grande surpresa do tribunal foi o depoimento da testemunha Joelmicley Fernandes dos Santos, considerada testemunha ocular que negou seus depoimentos perante à polícia e ao juiz de Alenquer, quando apontou os três réus como autores do crime.
Ele disse que foi coagido pelo delegado de polícia Olavo Carneiro e pelo promotor Benedito Sá e pelo assistente de acusação Wálter Dolzanis para acusar os três. Num depoimento cheio de contradições, Joelmicley não convenceu os jurados que acabaram votando entre os quesitos propostos pelo promotor Mário Brasil, pelo falso testemunho, que vai lhe custar um procedimento criminal.

Contribuição linguística para zelosos edis (*)

Alter-do-chão já foi chamada de “Caribe da Amazônia”, mas há outro epíteto que mais se adequa à nossa Vila Borari: “Babel Tropical”. Não só pela eterna invasão de turistas de todas as partes do mundo, mas principalmente pelas polêmicas lingüísticas que lá se travam.

Pra começar, o próprio nome da vila até hoje é controverso e pelo menos uma das explicações para a sua origem seria a de que na primeira missa rezada por jesuítas portugueses em suas brancas areias teria sido usado um altar rente ao chão. Daí, o altar, no sotaque português interpretado pelos nativos, soar como “alter”... do chão. Nem sei isso é verdade, mas faz sentido.


Aí veio o tal do Sairé, que de repente virou “Çairé” por motivações de marketing, e causou um frisson linguístico e uma guerra cultural entre intelectuais ou não. Recentemente saiu o “Ç” e voltou o “S” e talvez numa próxima administração voltemos ao “Ç”. Tudo dependerá de que “lingüista político” estará no poder.


Agora chegou a vez de substituir a batalha de farinha do “Carnalter” por uma nova batalha lingüística. Diante da mediocridade do carnaval em Santarém, os blocos com nomes de duplo sentido praticamente quintuplicaram em menos de uma década de “Carnalter”. Só que isso criou um novo frisson entre nossos zelosos edis, que resolveram levantar a bandeira da moralidade contra essa ousadia popular.


Como se não houvesse mais nada de importante para se discutir no plenário da Câmara, três vereadores resolvem promover mais uma contenda linguística de cunho inquisitório, pela moral e pelos bons costumes de nossa gente...


Resolvi fazer um pequeno estudo e propor nomes mais pudendos aos blocos, como sugestão à cruzada moralista dos nossos zelosos edis. Para isso, reli um dos fascinantes textos do sarcástico escritor carioca Millôr Fernandes, de seu livro “Tempo e Contratempo” (1954). Na crônica “Provérbios modernizados”, Millôr utiliza de seu estilo mordaz e reescreve de forma erudita ditados populares que do alto de sua singeleza “nos ensinam antigas lições”, como diria Vandré.

Assim, o velho ditado “De grão em grão a galinha enche o papo”, transforma-se num texto de refinamento científico digno de ouvidos intelectualizados: “De unidade de cereal em unidade de cereal, a ave de crista carnuda e asas curtas e largas da família das galináceas, abarrota a bolsa que existe nessa espécie por uma dilatação do esôfago e na qual os alimentos permanecem algum tempo antes de passarem à moela”


Seguindo o mesmo estilo “milloriano”, aqui vão minhas sugestões para os nomes de blocos do Carnalter, de forma a não ferir os sensíveis ouvidos de nossos ilustres representantes do Poder Legislativo no ano que vem:


1.Bloco “Existe uma ave cracídea num pedaço de madeira!” (“Há Jacu no pau”);

2.Bloco “Nego-me a doar o mamífero procionídeo que me pertence” (Não dou meu Kuati);


3.Bloco da “Ave Columbídea” (“A Pomba”);


4.Bloco “Aplica teu olfato numa ave psitacídea pequena” (“Xeira o Periquito”);


5.Bloco “Tira o órgão linfóide situado no hipocôndrio esquerdo!” (Arranca Baço”)



Espero ter contribuído com os senhores edis para que moralizemos nossa língua em pleno carnaval, pois como disse o próprio Millôr no mesmo texto: “Aquele que anuncia por palavra tudo que satisfaz ao seu ego, tende a perceber pelos órgãos da audição coisas que não se destinam a aumentar-lhe o sentimento de euforia” (traduzindo: “Quem diz o que quer, ouve o que não quer!”)
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(*)Artigo inserido hoje (10.03.2006) em minha coluna semanal Perípatos, publicada no Diário do Tapajós, encarte regional do Diário do Pará. O artigo também gerou polêmica esta semana no Blog do Jeso.

sábado, 4 de março de 2006

Carnalter: democracia de farinha e asfalto (*)

Se havia alguma dúvida sobre qual o carnaval ideal para Santarém, os milhares de foliões de Momo que tomaram de assalto as estreitas ruas da vila de Alter do Chão, não deixaram pedra sobre pedra.
A verdadeira democracia carnavalesca emergiu da mistura da farinha de trigo (ou amido de milho, ou ainda, spray de espuma) ao asfalto, tudo isso regado a chuva, suor e álcool. O resto é artimanha para tirar dinheiro da prefeitura para os decadentes blocos que insistem no “carnaval-espetáculo”.
Apesar de não ter samba no pé, resolvi ver de perto o tão badalado “Carnalter” e me convenci do que sempre defendi em artigos e reportagens: está na hora de deixar o povo extravasar as intempéries de 360 dias, nos cinco dias mais alegres do ano.
Sem essa de “sambódromo”, “verbas para blocos”, “troféu para vencedores” ou a velha dúvida hamletiano-momesca (ser de enredo ou de empolgação?).
O Carnalter vem crescendo em importância nesse debate, desde as primeiras manifestações de alguns abnegados santarenos que, há uma década, buscavam uma alternativa de um carnaval sem frescuras. Foi quando surgiu a idéia dos blocos puxados por carros-som e com nomes de sentido duplo que expressam a síntese das festas dionisíacas e de um verdadeiro bacanal momesco, digno de Baco (Dioniso), deus da mitologia grega: “Há Jacu no pau”, “Não dou meu Kuati”, “Arranca Baço” ou outros ainda mais impublicáveis (por serem ainda mais diretos).
Este ano, foi a vez do bloco “A Pomba” surgir com centenas de brincantes e com uma organização de deixar muitos dos tradicionais blocos do carnaval de rua de Santarém, com a “pulga” atrás da orelha...
Com abadás, trio-elétrico, um sambinha em ritmo de frevo e até videoclipe na TV, não teve quem não quisesse entrar n´A Pomba (com perdão pela armadilha lingüística que a frase contém...)!
O Carnalter só não supera (por enquanto) o Carná Pauxis, de Óbidos, onde a mesma filosofia já faz daquela festa item obrigatório na agenda de turistas-foliões que buscam algo diferente e excitante, unindo a paisagem exótica da Amazônia ao delírio anarquista do carnaval, como nos velhos tempos, à base de farinha e asfalto.
Quando será que essa gente que comanda a cultura local vai atentar a isso? O Carnaval é uma festa popular e ganhou ares de espetáculo no Rio de Janeiro, onde o investimento do crime organizado e de políticos, transformou a festa num show milionário. Tentar seguir essa mesma filosofia e esquecer que estamos mais perto do carnaval nordestino (dos trios-elétricos baianos e dos frevos pernambucanos) do que do onírico carnaval carioca, é no mínimo falta de bom senso.
Será que é preciso novas quedas de secretários, brigas de dirigentes, atrasos, chuvas e um “espetáculo” pífio na orla dos tais “blocos”, para que se busque uma nova alternativa?
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(*)Artigo inserido em minha coluna semanal Perípatos, publicada na edição de ontem (03.03.06), do Diário do Tapajós, encarte regional do jornal Diário do Pará. Leia mais sobre esse tema no post "Em busca dos textos perdidos".